Jacinto Tchipa quer maior valorização dos criadores angolanos
AngolaOnline - 21-02-2018

Luanda - Autor de temas como "África", "Maié Maié", "Kumbi Lianda", "Sissi Ola", "Cartinha da Saudade" e "Tchivale Tchivale", Jacinto Tchipa é uma das referências incontornáveis da música angolana., (Por Claudete Ferreira)

Emocionado ao recordar o passado e perspectivando as coisas, o artista aponta alguns caminhos que podem contribuir para a maior valorização da música e dos cantores nacionais.

Em entrevista à Angop, o também ex-deputado considera necessário que sejam reconhecidos os fazedores da arte que deram contributo cultural nos últimos 40 anos e que informem à nova geração sobre os esforços feitos para o alcance da liberdade.

Angop: Jacinto Tchipa está um pouco desaparecido dos palcos. A que se deve?

Jacinto Tchipa (JT) – Após a independência, os artistas passaram a depender do Ministério da Cultura, que planificava toda a actividade cultural que surgia. Depois da mudança do sistema político, passámos a depender de empresários e de agências do género. Porém, hoje os espectáculos já não são constantes, tendo em conta também a realidade financeira do país. Estou a falar de grandes músicos que tiveram muito sucesso, nomeadamente Elias Dya Kimuezo, António Paulino, entre outros nomes de referência do mercado nacional.

Infelizmente, a situação atingiu toda a sociedade, e o mercado afecta a todos. Para se fazer alguma coisa, é necessário dinheiro, e eu não o tenho para me promover, razão pela qual estou, digamos, meio desaparecido dos palcos. Contudo, isso não quer dizer que nada esteja a fazer, pois tenho alguns projectos que poderão, muito brevemente, ser colocados ao dispor dos amantes da música angolana.

Angop: Disse que está a preparar alguma coisa. Presume-se que se trata de uma nova obra. Para quando?

JT: Já estou a gravar um disco há aproximadamente cinco anos, comecei por fazê-lo em Luanda. Ainda não concluí os trabalhos por falta de financiamento e, no país, para gravarmos, precisamos de 150 mil dólares, no mínimo, e os acabamentos são feitos no exterior. O produto é terminado no Brasil, em Portugal e na África do Sul. O Ministério da Cultura não financia, e têm sido os empresários a facilitar, com destaque para Bento Kangamba, que tem ajudado muitos músicos, principalmente a juventude.

Angop: Em virtude da actual situação, de que forma pode ou está a contribuir para a afirmação e crescimento da cultura angolana?

JT: Sinto-me um polivalente (…). A música é o meu trabalho. Toda a mocidade foi através dela, mas até hoje nada vejo. Neste momento, estou a trabalhar no sector agrícola, na produção de banana, na província do Cuanza Norte, a fim de daí tirar alguma coisa para custear as despesas que tenho com esta arte.

Angop: Tem alguma convicção de que ainda pode fazer algo pela cultura?

JT: Sim. Continuo a compor, infelizmente não tenho dinheiro para gravar o que já tenho na manga. Falta apenas gravação de quatro músicas para fechar um LP. Tenho solicitado apoios, mas, infelizmente, só têm sido promessas, nada de concreto que venha a abrir uma “luz no fundo do túnel” para a conclusão da obra.

Vivemos somente da música, mas não temos actividade todos os dias. Noutros países, os artistas não param, uma realidade bem diferente da nossa, pois conseguem ganhar a vida só desta arte, cantando em bares e em  casas nocturnas ou de lazer e cultura.

Se o mesmo acontecesse cá, estaríamos todos a trabalhar para o engrandecimento da cultura. Falta uma legislação, para que, em todo e qualquer sítio público onde haja festa e entretenimento, o músico possa estar para ganhar o seu pão e fazer as suas economias.

Angop: Como é cantar para as tropas na qualidade de militar?

JT: Comecei por cantar numa fase muito difícil para o país, em que todo o artista era também militar. Em 1974, enquadrei-me nas FAPLA, era um dever obrigatório. E, como sempre gostei de cantar, animava as tropas na frente de combate. Não era só pegar na arma e disparar, pois havia também momentos de lazer. Cantava e fazia teatro e carrego comigo muitas lembranças desse tempo.

Angop: Quantos anos de tropa e de música?

JT: Enquadrei-me nas FAPLA a 2 de Março de 1974 e continuo no activo. Mas um ano antes de entrar já cantava, daí o casamento da música e a tropa. A gravação do primeiro disco foi em 1976, na Valentim de Carvalho, um disco que fez muito sucesso. Lembro-me de que, em 15 dias, a instituição já não tinha mais discos para a venda. Olha que fui bem pago! Foram 15 mil dólares e, deste valor, comprei o meu primeiro carro.

Angop: Na época, tinha como um dos propósitos levantar o moral das tropas. Será que a mensagem passava?

JT: A mensagem passava. Tinha as tropas como grandes adeptos e que me fizeram ganhar dois “Top dos Mais Queridos”.

Angop: Fica a sensação de que deveria trabalhar mais com a nova geração?

JT: Com a nova geração tenho grande cooperação. Quando solicitam os meus préstimos, estou sempre ao dispor e de braços abertos e vice-versa. Temos de dar o devido apoio aos jovens e passar o legado, para que possam continuar. Tenho uma música gravada com Big Nelo, uma experiência muito enriquecedora para mim, uma vez que me ajudou a dar o meu contributo, em termos de ideias e acção, a um trabalho de um cantor que tem sido uma grande referência no mercado musical angolano.  

Angop: Teve uma incursão na política, 16 anos como deputado à Assembleia Nacional pelo grupo parlamentar do MPLA. A experiência foi boa?

JT: É verdade! A experiência foi boa e muito positiva. Na Assembleia Nacional, defendíamos todos os problemas da Nação, não só da cultura, mas no geral. Culturalmente, dei o meu contributo sobre propostas ligadas a esta área, entre as quais a fundação de um Museu da Música. Infelizmente, não passou, porém seria bom se tivesse sido aceite, porque a ideia era a criação de um espaço dedicado à música e aos seus criadores.

Angop: Como concilia a vida artística e a militar?

JT: Não é fácil. A música nunca foi um bicho-de-sete-cabeças. Sei separar os momentos. Fui privilegiado, nalgumas vezes, para representar o país no estrangeiro, e isto nunca interferiu na minha carreira militar.

Angop: Que análise faz da música angolana?

JT: Tem registado grande evolução, quer melódica, quer de mensagens ou ritmo. A nova geração tem contribuído bastante para o sucesso que se regista. Não podemos ficar atrás. O mundo está em constante mudança. Temos grandes talentos e, a cada dia, temos de agradecer à força da juventude que tem trabalhado em prol da melhoria, aceitação e divulgação da música angolana. São ganhos que não devem ser menosprezados.

Angop: Teve problemas nas cordas vocais, já os superou?

JT: Tive muitos problemas de saúde, fiquei afónico, mas operaram-me com sucesso numa das clínicas de Luanda e estou bem. No entanto, lembro-me de que, num dos espectáculos na província do Namibe, não consegui cantar. Felizmente, está ultrapassado e encontro-me em condições de continuar a dar o meu contributo para a promoção, valorização e divulgação da cultura angolana, em geral, e da música, em particular.

Angop: Como enquadra a família na sua vida profissional?

JT: A família é indispensável. A força que recebo é incalculável. Não há valores que paguem nem gesto para retribuir o carinho e o respeito que me são dados. Não fosse o apoio familiar, não sei onde poderia chegar, quer em termos profissionais como familiar.

Angop: Numa altura desta, que conselho dá aos artistas angolanos?

JT: Devemos continuar a lutar para o bem da cultura, que não se deve desistir até que consigamos vencer todas as barreiras, para o engrandecimento da nossa cultura diante de tantas dificuldades. Temos de lutar, a fim de que tenhamos uma vida igualada aos artistas do resto do mundo.

Angop: Com quem, nesta altura, desejaria partilhar o palco?

JT: Muito sinceramente com Yola Semedo, Pérola, Anselmo Ralph e Eduardo Paim.

Jacinto Tchipa notabilizou-se no mercado nacional durante a década de 80, quando foi vencedor, duas vezes consecutivas (1986 e 1987), do concurso “Top dos Mais Queridos”, organizado pela Rádio Nacional de Angola (RNA).

O músico nasceu em 1958, na Caála, província do Huambo, e começou a sua carreira artística em 1973, quando gravou o primeiro disco de vinil “África”. Temas como “Maié Maié”, “Kumbi Lianda”, “Sissi Ola” e “Tchivale Tchivale” constam do repertório do artista.

Lançou três discos em vinil na década de 80, intitulados “A Cartinha do Soldado”, “Sissi Ola” e “Reconstrução Nacional”, já nos anos 90 “Os Meus Sucessos” e “África”.

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